terça-feira, 25 de setembro de 2012

Motociclismo: entre a mobilidade, liberdade e o preconceito

Motociclismo: entre a mobilidade, liberdade e o preconceito Reportagem do DM mostra a subcultura das motocicletas, com rituais, dificuldades e hierarquias da luta por espaço nas estradas Texto por Jackeline Osório e Welliton Carlos
Cirurgião Zacharias Calil: uso de moto para salvar vidas (Foto: Edilson Pelikano) No do­mingo, 23, um grupo de po­tentes má­quinas gui­adas por ho­mens de carne e osso re­a­li­zaram o “Mo­to­ci­clismo So­cial”. A con­cen­tração saiu do Bu­riti Shop­ping, às 8h30, em di­reção à Apa­re­cida de Goi­ânia. Do­a­ções foram en­tre­gues no Lar Irmã Dulce. As motos que en­golem as­falto também le­varam man­ti­mentos e ilu­mi­naram os olhos vi­drados dos an­fi­triões. Os mo­ra­dores do Lar Irmã Dulce, por sua vez, ti­veram a chance de ig­norar ín­dices con­de­na­tó­rios e vi­sões mi­to­ló­gicas de que o mo­to­ci­clista é o la­drão de ca­pa­cete, o dro­gado pé de chi­nelo e o pobre que as­cendeu na vida com­prando uma mo­to­neta em 60 pres­ta­ções. “É bom ver como a ‘me­ni­nada’ e as pes­soas do lugar ficam fe­lizes com a pre­sença dos mo­to­ci­clistas”, diz Wel­lington Format, um dos mo­to­ci­clistas que de­monstra como a moto leva ci­da­dania na ga­rupa, longe dos es­te­reó­tipos das crô­nicas ur­banas que ig­noram a cul­tura dos mo­to­boys, a mo­der­ni­zação dos mo­to­va­queiros e a co­ragem dos po­li­ciais que rasgam ruas em con­fronto com cri­mi­nosos. Se de­pen­desse da hi­e­rar­quia do trân­sito, era para elas não exis­tirem. Motos, en­tre­tanto, im­peram em meio aos ca­mi­nhões, carros, jipes e ônibus. Ao lado das bikes, formam o grupo das mi­no­rias, mas ativas, com grande mo­bi­li­dade, he­roicas e sus­ten­tá­veis. Em que pese à visão das au­to­ri­dades sobre aci­dentes (de que a culpa é sempre dos mo­to­ci­clistas), das con­ces­si­o­ná­rias de ônibus (que de­testam a moto, pois perdem con­su­mi­dores) e da in­dús­tria das multas (que não con­segue en­qua­drar mo­to­ci­clistas), as duas rodas se­guem ve­lozes, ora rumo ao de­ses­pero da ur­gência ora aos braços da li­ber­dade. Essa cri­a­tura de aço cro­mado, garfos bri­lhantes e gui­dões longos já levou o mé­dico ci­rur­gião pe­di­atra Za­cha­rias Calil vá­rias vezes para salvar vidas. A responsabilidade de Calil o faz considerar sua moto Harley Davidson mais do que mero hobby. “Ela me leva para a sala de cirurgia. Sem a moto nem sei o que aconteceria com muitos pacientes”, diz o médico, que costuma também usar o veículo para visitar doentes nos finais de semana. Calil reclama da visão quase doentia que muitos têm das motocicletas. “Há duas semanas, um rapaz de carro chegou e passou em cima do meu pé. Mas ele estava literalmente transtornado, com ódio”, recorda indignado, revoltado, porque lutava por seu espaço, uma questão de centímetros. Motolância Como Calil, muitas vezes ignorados, mas seguros e firmes, foram os socorristas André Alves e Diego Ribeiro, que chegaram em poucos minutos para tentar salvar duas crianças que se afogaram numa creche na região de Serrinha, no começo de julho. A imprensa se esqueceu deles. Pilotos da motolância, eles salvaram os dois com vida. “A moto é mais ágil. Chega primeiro, uns cinco minutos antes”, diz Wesley Ribeiro, da equipe que atua no Samu. Essa moto que é mais ágil, e que apresenta maior mobilidade, também exige destreza. exatamente este segredo de difícil percepção, que é garantir o equilíbrio e agilidade. A moto, que salva vidas e leva mantimentos, e serve para incrementar a economia, exige nova postura daqueles que se habilitam. Hoje, com toda certeza, esse veículo de física leve necessita de uma espécie diferente de condutores: mais educados e responsáveis. “Muitos motociclistas tiram a carteira, mas não sabem pilotar”, diz Marcus Mendes de Souza, o Doidera, um dos principais instrutores de Goiás. Também faltam novas políticas públicas. Conforme Alexandre Moura, engenheiro de trânsito e professor do Instituto Federal de Goiás (IFG), um dos principais problemas da moto, em uma cidade como Goiânia, é a ausência de fiscalização. “E tecnologia também”. Alexandre sugere poucas mudanças, mas consistentes, como a automação dos semáforos e controle de tráfego. E, conforme Antunes da Costa, estatístico, é necessário fazer uma análise mais científica e menos apressada dos números coletados do sangue que jorra do asfalto. “Não é feita uma leitura qualitativa. A moto é sempre a culpada, o que se revela erro de julgamento”, aponta. O problema das motos, se é que existe, portanto, é de todos. A reportagem do DM foi até os Estados Unidos da América, o país que desenvolveu a moderna moto, e encontrou dados exatamente iguais aos do Brasil, o que desmitifica que o aumento do uso das motocicletas seja uma questão de preço e suburbanização do uso do transporte.

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